TTR In The Press

O Jornal Económico

March 2021

“China está interessada na consolidação da banca portuguesa”

O especialista internacional em M&A, Oliver Hill, antecipa ao Jornal Económico que a “China está a aguardar o momento para agarrar oportunidades na banca portuguesa”.

Oliver Hill, editor do Transactional Track Record (TTR), a plataforma de business intelligence líder nos mercados da Península Ibérica, América Latina e Caraíbas – que todas as grandes sociedades de advogados especializadas em M&A destacam nos seus sites e que os principais gestores dos fundos de investimento internacionais subscrevem –, em entrevista telefónica exclusiva ao JE, destaca as áreas que serão objeto de consolidação em 2021 e 2022, e chama a atenção para a entrada em Portugal de novos investidores chineses. Mantendo reserva sobre a sua localização geográfica, Oliver Hill, além de especialista em fusões e aquisições, acompanha o universo musical, tendo realizado em Cuba o documentário “La rumba me llama”.

Como vê as oportunidades de mercado em Portugal, em 2021? Identifica consolidações potenciais entre grupos empresariais por fusões e aquisições?

Acredito que este ano vamos assistir a uma forte recuperação em sectores que aguardam que sejam retiradas as restrições que foram impostas para combater a pandemia. Ressalvo que não vou mencionar empresas para evitar que as respetivas cotações possam ser influenciadas. Considero entre os alvos dessa consolidação, os negócios de retalho, as empresas de alimentação, os grupos que conseguiram digitalizar a sua atividade, e que por isso melhoraram o seu desempenho operacional, as empresas focadas na melhoria da eficiência, na melhoria da responsabilidade na prestação de contas e da transparência na relação entre acionistas e partes interessadas (stakeholders). Também creio que a sustentabilidade ambiental será cada vez mais relevante e tenderá a ser integrada nos indicadores de gestão dos grupos empresariais e nas estruturas organizacionais, com a generalidade dos clientes a valorizarem mais as empresas que já integraram estes critérios e estes objetivos há mais tempo, de forma sistemática, como benchmarks anuais que vão melho rando a sua gestão. Aqui, já não se trata de responsabilidade social corporativa, mas uma estratégia de gestão que melhora o desempenho das empresas e aumenta a sua sustentabilidade.

É possível acreditar numa recuperação rápida sabendo que há uma percentagem elevada de empresas que estiveram meses seguidos sem níveis de faturação relevantes?

É claro que haverá muitos perdedores. Os nossos relatórios do Transactional Impact Monitor, conseguem mostrar isso, porque combinam o conhecimento local e a visibilidade de mercado dos principais negociadores, precisamente para trazerem clareza ao mercado transacional, abordando situações extraordinárias que afetam a estabilidade macroeconómica e a perspetiva de M&A revelada pelos negociadores líderes em regiões cobertas pelo nosso TTR. Este relatório está disponível para os quatro mercados e regiões que acompanhamos, de Espanha e Portugal, México e Brasil. Respondendo à pergunta, devo dizer que ainda não foram antecipadas grandes vagas de falências, sobretudo devido ao efeito das moratórias de dívida. Não quer dizer que não possamos assistir a situações difíceis, porque acredito que vamos assistir a muitos problemas, a muito sofrimento, muita dor, mas tudo isso está a ser atrasado. Assim que as moratórias de dívida terminem – foram prolongadas até setembro de 2021 –, surgirá uma grande janela de oportunidade para o private equity e para investidores estratégicos internacionais, sendo uma grande oportunidade para Portugal, no sentido de saber quais são as empresas que estão aptas para enfrentarem sozinhas os mercados e quais são as que serão bastante dependentes de apoios do Estado, da assistência do Governo, para poderem sobreviver.

O que significa isso especificamente?

Significa que nessa altura veremos quais são as empresas que têm ativos e propriedade intelectual relevante; veremos se serão objeto de interesse para aquisição pelo seu potencial intrínseco; ou veremos se valem a pena ser adquiridas pelo valor dos ativos em liquidação. Neste universo serão identificados os alvos de aquisições nos próximos seis meses, permitindo saber se encontraremos empresas que vão valer mais como empresas operacionais ou como ativos em liquidação. Sei que Portugal é muito dependente do sector do turismo. Recordo que há cerca de 10 anos encontravam-se muitos hotéis em Portugal com caraterísticas diferentes dos que há atualmente, que têm elevada qualidade internacional. Nas décadas anteriores, boa parte do sector turístico português viveu de certa forma da fama de ser hospitaleiro, mantendo um conjunto de ativos conotados com essa característica afável. Agora, existe a oportunidade de agrupar esses ativos e de reunir um conjunto importante de unidades hoteleiras suscetíveis de serem adquiridas por investidores muito focados neste sector, que procuram o que Portugal tem de melhor para oferecer no turismo europeu e que também acreditam numa rápida recuperação económica, procurando os ativos mais valiosos do sector turístico português. Além disso, no sector do imobiliário corporate, também há um óbvio potencial de negócios. São conhecidos os investidores internacionais que em 2020 começaram a procurar, em Lisboa, prédios de escritórios e do segmento residencial para investirem nesses ativos, transformando-os e renovando-os, para depois poderem vendê-los.

Provavelmente são investidores que procuram aquisições com grandes descontos...

No segmento residencial e no corporate, as valorizações já sofreram correções. Se tivermos em consideração a forma como os valores das transações imobiliárias cresceram nos últimos cinco ou seis anos, na realidade, a correção de preços de mercado não chegou a eliminar a grande valorização registada desde 2015. Se compararmos os preços efetivos atuais com os valores que foram praticados em 2019, houve realmente uma queda no mercado. No entanto, se fizermos a mesma comparação com os preços praticados em 2015 e 2016, creio que os valores em causa ainda continuam acima desses patamares.

Os investidores já identificam grandes oportunidades em Portugal?

Os melhores ativos são facilmente identificáveis. Os seus proprietários sabem que estarão sempre valorizados no mercado, sobretudo para investidores internacionais que sabem que podem fazer boas aquisições ainda em 2021. Relativamente aos restantes ativos, os investidores internacionais também sabem que os principais processos de liquidação só deverão começar a ser conhecidos em 2022. Sectores como o do retalho de bens de consumo – em que os operadores tinham planos de crescimento para abrirem novos pontos de venda –, creio que a realidade deles mudou e parece-me que agora terão de fazer uma inversão nesses projetos. Há muitos operadores de redes de lojas que poderão vender as suas marcas. Outra mudança será registada nas agências de viagens, que praticamente se tornaram obsoletas. Mas, em geral, todo o retalho será fortemente ‘abanado’, e uma parte relevante dos seus ativos imobiliários, pertencentes às redes de lojas comerciais, poderão ser transacionados. Há um novo mercado que é o da conversão de ativos imobiliários comerciais em imobiliário residencial, embora seja muito específico, porque nem todos os ativos são suscetíveis de terem estas conversões.

Quais serão os vencedores?

No caso dos operadores de redes retalhistas que se especializaram no e-commerce, esses tiverem em 2020 um dos seus melhores anos de sempre. O exemplo daquilo que as grandes plataformas de comércio eletrónico conseguiram concretizar no mercado dos EUA ilustra o grande potencial deste segmento. Há enormes oportunidades para os grandes operadores do e-commerce. Há empresas fortes no e-commerce que detetarem um nicho nos alimentos naturais, que está a crescer acima da média de crescimento deste sector. Os operadores de e- -commerce vão aproveitar estas oportunidades, nos segmentos dos alimentos orgânicos e naturais. Além disso, tem havido um grande foco no sector da Saúde e da medicina preventiva. Esta sector vai continuar a registar forte crescimento e atrair níveis inusitados de investimento. Pode haver fusões e aquisições entre as empresas que operam o segmento dos cuidados de saúde, o que mostra que há espaço para privatizações no sector da saúde. Isso vai atrair investimentos para a área das clínicas de saúde, ou ao nível de unidades especializadas em cirurgias. O segmento das clínicas privadas vai estar em alta, depois de terem passado por uma fase de dois ou três meses em que enfrentaram uma atividade reduzida. O sector tecnológico – em especial o das TI –, vai ter muitos interessados. As empresas de energias renováveis são consideradas investimentos muito seguros. Viu-se pelas emissões de green bonds, realizadas em 2020 em Portugal, o que mostra que as green bonds são investimentos muito interessantes. Há três anos, houve dúvidas sobre os investimentos em parques fotovoltaicos, com muitas opiniões a consideraram que os projetos de energia solar dependiam de subsídios. Isso já não acontece nos dias de hoje. Já não dependem de subsídios. Estes investimentos estão a regressar a Espanha e a Portugal. Atualmente, os parques solares são competitivos na produção de eletricidade. Os painéis solares evoluíram muito ao longo dos últimos 20 anos. O salto qualitativo deu-se com a evolução da tecnologia das baterias. Agora, o armazenamento de energia produzida por fontes renováveis deverá atrair muitos investimentos nos próximos cinco anos. As fontes eólica e solar vão ser cada vez mais competitivas na produção de energia. Este sector está a atrair muitos investidores. Há uma companhia que fabrica hardware solar, que fez um IPO em Madrid, no ano passado, que já é um dos operadores globais do sector – encontra-se no ‘top 5’ –, e continua muito ativa nos seus investimentos. No meio da guerra dos preços do petróleo que envolve a OPEP+, o sector das renováveis é uma forma segura de diversificação de investimentos na área da energia. Recapitulando, os principais sectores que vão atrair investidores são os das energias renováveis, do turismo, imobiliário, cuidados de saúde, TI e estão entre os mais propensos a operações de consolidação em Portugal.

Será possível utilizar as fusões e aquisições para reindustrializar Portugal?

Alguns contactos que tenho em Portugal consideram que, sob este ponto de vista, o país tem vanta gens na captação de projetos industriais. Continua a ter um baixo custo de vida, em termos comparativos, e também oferece baixos salários entre os peers europeus. Isso facilita a reintrodução de unidades fabris. Não acredito nesta tendência da globalização que agora pretende relocalizar a produção junto dos mercados de consumo, retirando as fábricas da Ásia, porque as pessoas querem sentir a cadeia de fornecimentos mais segura, apenas porque houve constrangimentos recentes por atrasos no fornecimento de bens aos mercados ocidentais. As vantagens competitivas das diversas geografias vão continuar a determinar os locais onde os bens são produzidos. Apesar da tensão entre os EUA e a China ser real e da União Europeia não ser imune a este problema, a UE e os Estados membros vão continuar a ter uma linha divisória que define a China como um adversário comercial, mas também como parceiro de investimentos.

A banca portuguesa indicia que em 2021 haverá uma forte consolidação...

Concordo totalmente. Houve uma intervenção significativa do Estado no sistema financeiro português e isso não é sustentável a médio prazo. Também houve irregularidades. Tudo isso implica que se faça uma consolidação. Será uma oportunidade. Em Espanha já houve uma consolidação no ano passado. O mesmo deverá acontecer agora em Portugal. Sem os apoios do Estado quantos destes bancos sobreviverão em Portugal? Quantos bancos é que uma economia com a dimensão da portuguesa terá capacidade para manter? A consolidação é inevitável no sistema bancário português e as intervenções do Estado não são sustentáveis.

Será a vez da entrada das corporações chinesas nos bancos portugueses?

É isso mesmo. Contactei com consultores financeiros que confirmam que a China está a aguardar o momento para agarrar oportunidades na banca portuguesa. Esta estratégia chinesa decorre de convites que Portugal fez às empresas chinesas na área imobiliária. ●


Source: O Jornal Económico - Portugal 


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